Álbum Lições do Cotidiano – Faixas 03 e 04
Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=wsUvSwLPmjI
Não posso partir
Para onde eu vou?
Levo minha dor
Só agonia.
Para onde eu vou?
Não há ardor
Nem dom de iludir
Para onde eu vou?
Não há amor
Nem alegria.
Daí não querer sair
Da casca do ovo
Ser novo
Daí não ouvir
Tu voz a pedir
Venha para mim.
Estou tolo
Bobo, morto
Não há como ouvir.
O som das estrelas
A canção da cachoeira
Tudo é asneira.
Composição – Hiran de Melo
Intérprete - Boy
Arranjos e Gravação: Studio
Washington Boy
Faixa 03 do Álbum Lições do
Cotidiano – 2024/2025
https://www.youtube.com/watch?v=wsUvSwLPmjI
Faixa 04 – Instrumental
Anexo 01
Depoimento do Poeta: Não posso partir
"Não Posso Partir" é um mergulho na
angústia da impossibilidade de seguir em frente, na sensação de estar preso em
um ciclo de dor e desilusão. Busquei expressar a paralisia emocional que impede
o eu lírico de encontrar um caminho, um lugar para onde ir.
A canção se inicia com a pergunta "Para onde eu
vou?", que se repete como um eco da incerteza e do desespero. A dor se
torna uma companheira constante, um fardo que impede o movimento. A ausência de
"ardor", de paixão, e a falta de "dom de iludir" revelam a
desilusão com o mundo, a perda da capacidade de se encantar com a vida.
A repetição da pergunta, seguida da constatação da
ausência de "amor" e "alegria", intensifica a sensação de
vazio e desamparo. O eu lírico se sente preso em uma "casca de ovo",
incapaz de renascer, de se tornar "novo".
A recusa em ouvir a voz do outro, o chamado para o
encontro, revela a incapacidade de se conectar com o mundo exterior. O eu
lírico se sente "tolo, bobo, morto", incapaz de perceber a beleza da
vida, o "som das estrelas" e a "canção da cachoeira". Tudo
se torna "asneira", sem sentido.
"Não Posso Partir" é uma canção que
expressa a angústia da estagnação, a dor da impossibilidade de seguir em
frente. É um mergulho na escuridão da alma, na busca por um caminho que se
revela inalcançável.
Anexo 02
A Canção e o Silêncio: Uma Meditação Filosófica sobre “Não Posso
Partir”
Por Hiran de Melo
Há canções que são como oráculos — anunciam verdades
que nem sempre queremos escutar. “Não posso partir” é uma dessas. À primeira
escuta, parece um lamento; mas quem a ouve com a alma encontra ali mais do que
dor: encontra vestígios de um ser que tenta, sem força, nascer para o mundo.
Guiados pela luz da filosofia de Hannah Arendt e
pela escuta sensível de Franklin Leopoldo e Silva, descemos degrau por degrau
no abismo dessa letra, tocando com reverência cada estrofe como se fossem
símbolos em um templo interior.
Primeira Estrofe – O
silêncio da escuta
Para onde eu vou?
Levo minha dor
Só agonia.
Aqui começa a travessia. Um ser perdido,
desorientado, carregando dores que não se dissipam. É como se sua alma, ferida,
perdesse o chão comum onde a existência se ancora. O mundo, outrora espaço de
relação, torna-se cenário de exílio. Quando não há quem escute, quando nem o
próprio sujeito consegue escutar-se, a vida silencia. O sentido, que se revela
no entre, se esconde atrás da dor.
Segunda Estrofe – A
morte do sonho
Para onde eu vou?
Não há ardor
Nem dom de iludir.
O fogo que move já não arde. A capacidade de sonhar,
de inventar um futuro, parece extinta. Sem fantasia, não há pontes para o
porvir. E quando se perde o dom de iludir — esse nobre artifício de criar
imagens que dão forma ao invisível —, resta apenas o peso do que já é. Sem o
ardor do início, sem a centelha de criar, o mundo perde suas possibilidades. A
linguagem torna-se opaca, literal, incapaz de evocar o mistério.
Terceira Estrofe – O
colapso do sentido
Para onde eu vou?
Não há amor
Nem alegria.
Com a ausência de amor, desaparece o solo fértil das
relações. Sem alegria, o colorido do mundo se apaga. O exílio agora não é só
interno, mas também simbólico. A teia de significados que une os seres se rompe,
como se as palavras não alcançassem mais os sentimentos. O sujeito não apenas
sofre, mas já não compartilha — e onde não há partilha, não há mundo.
Quarta Estrofe – A
recusa de nascer
Daí não querer sair
Da casca do ovo
Ser novo
Eis o símbolo: a casca. Lugar de gestação, de
potencialidade. Mas o eu poético recusa o nascimento, preferindo o conforto
estéril do abrigo ao risco do mundo. Não é o medo da dor — é o medo de se
expor, de existir entre os outros, de se tornar visível. O tempo se detém. O ser
permanece encerrado, não como semente à espera da primavera, mas como pedra
esquecida sob a terra.
Quinta Estrofe – O
chamado que não se escuta
Daí não ouvir
Tu voz a pedir
Venha para mim
Há um chamado — sempre há. Uma voz que busca tocar,
convocar à relação. Mas quando a dor fecha as janelas da escuta, mesmo o apelo
mais terno se perde no vazio. A recusa em ouvir não é apenas surdez, é uma
forma de morte. Morte da ética, da resposta, da alteridade. O outro grita, mas
não há eco. O vínculo se rompe antes mesmo de nascer.
Sexta Estrofe – A
falência do sentido
Estou tolo
Bobo, morto
Não há como ouvir
A confissão chega: não se trata apenas de
sofrimento, mas de entorpecimento. O ser se declara incapaz de escutar, de
agir, de interpretar. Já não habita um tempo, não vive uma história. Suspenso
entre o que foi e o que poderia ter sido, ele flutua em um limbo onde o sentido
se desfaz como neblina ao sol. O silêncio agora é total, não como paz, mas como
ausência.
Sétima Estrofe – O
niilismo absoluto
O som das estrelas
A canção da cachoeira
Tudo é asneira.
E então, o colapso. A natureza, antes grandiosa e
inspiradora, torna-se ridícula. O sublime vira piada. Nem o cosmos, nem a
poesia, nem a beleza conseguem mais tocar o sujeito. Tudo é desprovido de
significado. É o ápice do niilismo: quando o símbolo morre, morre também a alma
que nele se nutria.
O Impossível Partir
“Não posso partir” — não é apenas um lamento por
permanecer, é a recusa radical de nascer. O sujeito não está parado: está
retido, suspenso entre o desejo de ser e o medo de existir. A dor o cala, o
fecha, o imobiliza. Ele se torna invisível a si mesmo, alheio ao mundo,
impermeável à alteridade.
Pela lente da filosofia que celebra o nascimento
como começo e da escuta que transforma palavra em revelação, percebemos que o
drama da canção não é a morte física — é a morte simbólica, a recusa do
vir-a-ser.
Mas esta canção, meu jovem Irmão Neófito da Loja de
Perfeição “Paz e Amor”, é também um espelho. Um convite. Que ela te alerte para
os riscos do silêncio absoluto e te inspire a buscar sempre o gesto que se
comunica, o ouvido que acolhe, o coração que interpreta.
Lembre-se: o verdadeiro trabalho do Maçom é o de
nascer — sempre — para o mundo. E não apenas uma vez, mas a cada novo dia. Pois
a vida só floresce quando escutamos, agimos e ousamos dar sentido, mesmo nas
sombras.
Hiran de Melo
Presidente
da Excelsa Loja de Perfeição “Paz e Amor”, corpo filosófico da Inspetoria
Litúrgica do Estado da Paraíba, Primeira Região, do Supremo Conselho do Grau 33
do REAA da Maçonaria para a República Federativa do Brasil.
Está poesia atravessa meu ser e me faz entender.
ResponderExcluirEntender que o grito as vezes não ouvido não foi pela surdez,mas sim pela falta do poder efetivar.
Que toda solidão, se transforme em escritos tão lindocomo este.
Amada amiga e poetiza Gelda. Com emoção escuto o seu grito. Você sempre será uma parceira de poesia e composição musical.
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